O novo coronavírus chegou ao Brasil em um momento de crise social, econômica e política sem precedentes e encontrou um país sem unidades de saúde para atender a população, principalmente a pobre e empobrecida, que está aumentando rapidamente devido às políticas antissociais do governo.
Os números oficiais de óbitos não correspondem à realidade, pois muitas das mortes na população carente ocorreram em casa, sem registro oficial. Se a situação é trágica para a população pobre, a situação para os povos indígenas está se tornando dramática. O coronavírus veio apoiar o governo, que está determinado a se livrar dos povos indígenas. Já se fala em etnocídio. As terras (reservas) dos indígenas, concentradas principalmente na região amazônica, são ricas em grandes extensões de terras agricultáveis, minerais, madeira, biodiversidade, água... O Parlamento está disposto a dar todo amparo jurídico à ação de um governo e um presidente extremista.
A maioria do parlamento é formada por grupos "bancadas", todos iniciados pela letra B. O grupo mais forte e articulado é o B = Boi: proprietários de terras que produzem carne para exportação, soja, milho, cana-de-açúcar, algodão.... O segundo grupo é o B = Bala, ou bala: são os militares que já ocupam cargos importantes no atual governo. O terceiro grupo é a B = Bíblia: parlamentares protestantes evangélicos e também católicos tradicionalistas que defendem o slogan “Deus, Pátria e Família” através da Bíblia e da tradição. Os poderes econômico-financeiro, militar e religioso estão todos alinhados contra os povos indígenas que nada valem no mercado e no sistema neoliberal. “Índio bom é índio morto”, já diziam os ingleses da América do Norte. Estamos testemunhando o extermínio dos índios brasileiros em três frentes.
O primeiro é o ataque armado, com violência e homicídio, que se desenrola desde a chegada dos primeiros portugueses às terras arborizadas do Brasil. De 2003 a 2011, 503 índios foram assassinados no Brasil, incluindo 273 do povo Guarany e Kaiovã. Estima-se que quando os portugueses chegaram, havia entre 5 e 10 milhões de habitantes indígenas no território brasileiro. No censo de 2010, era 817.900. Em 1500 havia 900 povos étnicos com 1.300 línguas, hoje existem 206 grupos étnicos com 170 línguas.
A segunda frente é a legislação, totalmente contra o reconhecimento de reservas fundiárias já legalizadas há anos e contra a regularização de novas reservas já em processo de legalização. Quanto ao resto "nem um metro a mais para os índios", diz o atual presidente Bolsonaro.
A terceira frente é a entrada em território indígena de empresas minerais e agroindustriais que matam vidas na água e no solo. E os índios estão observando ou apenas enterrando seus mortos assassinados? A reação, a resistência e a organização dos diversos povos indígenas e o apoio da sociedade civil, dentro e fora do Brasil, são crescentes.
O governo criminaliza os movimentos sociais com a denúncia de que são contra o progresso e o bem do Brasil. De fato, estão aumentando também as mortes e massacres de defensores dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas, reconhecidos na Constituição brasileira de 1988. Ainda estamos testemunhando novos fenômenos entre os índios. Grupos inteiros estão deixando as aldeias nas reservas para voltar a viver na floresta, longe e a salvo dos "brancos". São chamados de "índios isolados" que se juntam a outros grupos que vivem em isolamento voluntariamente e que nunca tiveram ou quiseram ter contato com brancos. É crescente o número de suicídios entre os índios, principalmente entre os jovens, que, desarraigados de seu habitat e ameaçados, não enxergam futuro pela frente.
E o coronavírus veio para completar o quadro de etnocídio. As mortes estão aumentando, não porque os índios sejam "pobres", mas porque eles não têm antivírus e sistemas imunológicos contra a doença dos brancos. E assim o círculo se fecha. Espanhóis e portugueses, chegando à América Latina, mortos não só com espadas ou armas de fogo, mas sobretudo com doenças e enfermidades dos “conquistadores” (varíola, tuberculose e mais), espalharam voluntariamente como armas mortais para povos indefesos.
Pe. Primo Battistini, sx