A longa caminhada das comunidades do Antigo Testamento encontrou a sua confirmação em Jesus, na sua maneira de viver a vida, de anunciar a Boa Nova e de reconstruir a convivência.
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Jesus refaz o relacionamento humano na base, na "Casa"
Numa época em que a religião oficial insistia no espaço sagrado do Templo, Jesus recupera a dimensão caseira da fé. O ambiente da casa exerce um papel central na vida de Jesus. Quando se fala em casa, não se trata só da casa de tijolos, nem só da pequena família, mas também e sobretudo do clã, da comunidade. Até à idade de trinta anos, Jesus viveu no ambiente caseiro e comunitário e lá em Nazaré.
Durante os três anos que andou pela Galiléia ele vivia nas casas do povo. Entrou na casa de Pedro (Mt 8,14), de Mateus (Mt 9,10), de Jairo (Mt 9,23), de Simão o fariseu (Lc 7,36), de Simão o leproso (Mc 14,3), de Zaqueu (Lc 19,5). O oficial reconhece: “Não sou digno de que entres em minha casa” (Mt 8,8). E o povo procurava Jesus na casa dele (Mt 9,28; Mc 1,33; 2,1; 3,20).
Quando ia a Jerusalém, Jesus parava em Betânia na casa de Marta, Maria e Lázaro (Jo 11,3.5.45; 12,2). No envio dos discípulos e discípulas a missão deles é entrar nas casas do povo e levar a paz (Mt 10,12-14; Mc 6,10; Lc 10,5-7).
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Jesus reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia
No antigo Israel, o clã, a família ampliada, a comunidade, era a base da convivência social. Era a garantia das tradições que davam identidade às pessoas. Era a maneira concreta de encarnar o amor a Deus e ao próximo. Defender o clã, a comunidade, era o mesmo que defender a Aliança entre Deus e o povo. Mas na época de Jesus, devida à política dos romanos e ao sistema da religião oficial, a vida comunitária estava sendo desintegrada. Mais da metade do orçamento familiar ia para os impostos, taxas, tributos, dízimos. Tais políticas excludentes geravam doentes, famintos, marginalizados, viúvas, órfãos, possessos, pobres. Esta situação levava as famílias a se fecharem sobre si mesmas, impossibilitadas de exercerem seu dever de goêl, de ajuda desinteressada aos parentes do mesmo clã ou comunidade.
A própria família de Jesus queria impedir que ele se preocupasse com os outros e queriam levá-lo de volta para Nazaré. Jesus reage: “Quem é minha mãe e meus irmãos? É todo aquele que faz a vontade do Pai que está nos céus” (Mc 3,33-35) Jesus alarga a família, reconstrói o clã, a comunidade. Ele quer evitar que as famílias se fechem sobre si mesmas e, assim, desintegrem a vida do clã, da comunidade. Por isso ele diz: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, irmãos, irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26).
Ele manda que as pequenas famílias se abram para a vida em comunidade.
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Jesus cuida dos doentes e acolhe os excluídos
Jesus anuncia o Reino para todos! Não exclui ninguém. Mas o anuncia a partir dos excluídos. Ele oferece um lugar aos que não tinham lugar. Acolhe os que não eram acolhidos.
Recebe como irmão e irmã os desprezados e excluídos: os imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11); os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42); os impuros: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 11,14-22; 17,12-14; Mc 1,25-26); os marginalizados: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,16-17; 19,13-15; Lc 8,2-3); os colaboradores: publicanos e soldados (Lc 18,9-14;19,1-10); os pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20-24; Mt 11,25-26).
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Jesus vai ao encontro das pessoas
Em vez de encerrar-se numa sinagoga e exercer o poder de um escriba, Jesus torna-se um pregador ambulante. Onde encontra gente para escutá-lo, ele fala e transmite a Boa Nova de Deus: Nas sinagogas durante a celebração nos sábados (Mc 1,21; 3,1; 6,2). Em reuniões informais nas casas de amigos (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10). Andando pelo caminho (Mc 2,23).
À beira da praia, sentado num barco (Mc 4,1). No deserto onde o povo o procura (Mc 6,32-34). Na montanha, de onde proclama as bem-aventuranças (Mt 5,1-2). Nas praças das cidades (Mc 6,55-56). Mesmo no Templo de Jerusalém, nas romarias, diariamente (Mc 14,49)! Ele vai ao encontro das pessoas, estabelecendo com elas uma relação direta através do acolhimento. Antes de propor ou expor um conteúdo doutrinário, Jesus propõe um caminho de vida.
A resposta é seguir Jesus neste caminho: “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso" (Mt 11,28).
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Jesus recupera igualdade homem e mulher
Jesus acolhe a resistência das mulheres contra a sua exclusão. A moça prostituída é acolhida contra o fariseu (Lc 7,36-50). A mulher encurvada é acolhida como filha de Abraão contra o dirigente da sinagoga (Lc 13,10-17). A mulher adúltera, acusada pelos fariseus, não foi condenada (Jo 8,3-11). A mulher impura é acolhida e curada (Mc 5,25-34). No evangelho de João, a Samaritana, desprezada como herética, é a primeira pessoa a receber o segredo de que Jesus é o Messias (Jo 4,26). A mulher estrangeira de Tiro e Sidônia é atendida por ele (Mc 7, 24-30).
As mães com filhos pequenos que enfrentam os discípulos são acolhidas e abençoadas (Mt 19,13-15; Mc 10,13-16). As mulheres, que ficaram perto da cruz de Jesus (Mt 27,55-56.61), foram as primeiras a experimentar a presença de Jesus ressuscitado (Mt 28,9-10). Maria Madalena, considerada possessa, mas curada por Jesus (Lc 8,2), recebeu a ordem de transmitir a Boa Nova da ressurreição aos apóstolos (Jo 20,16-18).
Muitas mulheres seguiam Jesus e faziam parte da comunidade de discípulos ao redor de Jesus (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41).
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Jesus supera as barreiras de gênero, religião, raça e classe
Jesus supera as barreiras de gênero, de religião, de raça e de classe, e sabe reconhecer as coisas boas que existem nas pessoas de outra raça e religião. Ele acolhe lições da parte da Cananéia (Mt 15,27-28), da Samaritana (Jo 4,31-38) e até dos Romanos (Mt 8,5-13). Ele conversa com Nicodemos (Jo 3,1), um membro da classe alta, com assento no Sinédrio.
Estabelece um diálogo construtivo com a samaritana, superando a difícil barreira da religião. Para a samaritana Jesus era um judeu (Jo 4,9), ou seja, um inimigo religioso, opressor dos samaritanos. Pacientemente, Jesus deixa transparecer que ser judeu, não é ser inimigo. Para estabelecer um diálogo com ela, Jesus começa a conversa revelando uma carência dizendo: “Dá-me de beber!” Revelar uma carência é uma boa maneira para iniciar uma conversa. O longo diálogo mostra o quanto Jesus estava aberto para a presença das mulheres em seu grupo.
Os próprios discípulos ficam surpresos com o diálogo de Jesus com a samaritana (cf. Jo 4,27).
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Jesus recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa
Jesus, sua mãe e todos os discípulos participam da festa de casamento em Caná (Jo 2,1-2). Jesus aceita convite para almoçar e jantar nas casas do povo: de Simão o leproso (Mc 14,3), de Simão o fariseu (Lc 7,36), de Marta e Maria (Jo 12,2), de um outro fariseu (Lc 11,37; 14,12). É na sala superior da casa de um amigo que Jesus celebrou a última páscoa com seus amigos (Mt 26,18-19).
Envia os discípulos para reconstruir as quatro bases da vida comunitária: hospitalidade, partilha, comunhão de mesa e acolhida aos excluídos (Lc 10,1-9). Jesus entrou em casa com os discípulos em Emaús e foi reconhecido no gesto tão caseiro da fração do pão (Lc 24,29-30.35).
"Eis que estou fazendo uma coisa nova! Vocês não o percebem?"(Is 43,19)
Foi esta a Boa Nova que Jesus viveu durante toda a sua vida e que ele irradiou durante os três anos que andou pela Galiléia anunciando o Reino de Deus. Os fariseus tinham perguntado a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: "O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: 'Está aqui' ou: 'está ali', porque o Reino de Deus está no meio de vocês" (Lc 17,20-21). Todo o trabalho de Jesus durante os três anos que andou pela Galileia tinha por objetivo ajudar o povo a perceber os sinais do Reino presente na vida. "Não estão vendo?" (cf. Is 43,19)
O povo o percebeu e acolheu a mensagem. Gostava de ouvir Jesus e o procurava para escutar a sua palavra. (cf. Mc 1,21.39; 2,2.11; etc). Mas muitos doutores e escribas não o acolheram. Pelo contrário! Como dissemos, a imagem de Deus, as experiências de religião e as verdades da fé, da maneira como eram vividas e ensinadas por eles, estavam tão arraigadas dentro deles, tão identificadas com o seu jeito de ser, que a Boa Nova de Deus, anunciada por Jesus, lhes parecia ateísmo que merecia a pena de morte.
Para eles, Jesus era um samaritano (Jo 8,48), um homem blasfemo (Jo 10,33), enganador do povo (Jo 7,12), possesso do diabo (Jo 7,20; 8,48), um beberrão (Mt 11,19), um louco que delira (Jo 10,20), um sem Deus (Jo 9,16).
Carlos Mesters.